15 de novembro de 2011

O Tédio ( Henrique Heine )

Clown Making Up (1909) - John French Sloan (1871 - 1951)


O Tédio
Heinrich Heine

- Eu venho aqui, doutor, fazer-vos uma consulta.
A doença que me punge e esteriliza a mocidade e o espírito,
resulta de uma chaga que nunca cicatriza.
Muito embora comum a toda gente, a dor que sofro,
- atroz hipocondria! - tanto me torna pensativo e doente
que já não sei mais o que é paz nem alegria.

Sendo o mais sábio clínico do mundo,
sois também um filósofo notável.
Do peito humano auscultador profundo,
curareis este mal imensurável,
que me esmaga o organismo fibra a fibra,
que me corroí o cérebro e o condensa. 

Eu tenho um coração que já não vibra,
suporto uma cabeça que não pensa.
E este tédio mortal, tédio agoureiro,
que me consome e me escurece os dias,
é como os beijos dados a dinheiro
numa noite de orgias.

- O amigo tem razão, padece realmente.
Contudo, a enfermidade que o devora
é o produto fatal do século de agora.
Podes curá-la, creia apenas num momento.
O tédio é uma sombria, uma fatal loucura.
É a sombra anterior da longa noite escura,
onde se esquece tudo: a sorte, a vida ousada.

Só se lembra um ser, só se lembra um nada.
Diga-me: alguma vez amou? Nunca estrugiu em seu peito,
como as ondas do mar que rugem e se encapelam
ao soturno rumor do vento e da procela?
Junto, bem junto ao seu, que de dores se junca,
bateu um coração apaixonado?

- Nunca!
- Pois então amigo, procure a agitação constante!
Vá visitar a Grécia, o Oriente, a Terra Santa.
São sítios onde tudo se evoca e se decanta
as glórias de uma idade imorredoura e eterna,
que maravilha e deslumbra a geração moderna.

- Em híbridos prazeres passei a mocidade.
Percorri viajando o mundo e a humanidade
como o judeu da lenda.
Entre as mulheres todas cujos lábios beijei
em bacanais e bodas,
mulher nenhuma eu vi sobre a terra tamanha,
que para mim  não fosse uma visão estranha.

Como parti, voltei. Sem achar lenitivo
para este mal, doutor, que assim me traz cativo.
- Frequente o circo, amigo. A figura brejeira
do famoso Arlequim que a esta cidade inteira
palmas e aclamações constantemente arranca,
talvez lhe restitua a gargalhada franca!

- Vejo agora, doutor, que o meu caso é perdido.
O truão de quem falais, o palhaço querido
que anda no Coliseu tão aclamado,
tem um riso de morte, um riso mascarado
que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço.
Sou eu, doutor, sou eu este palhaço!













“Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas.”
Pablo Neruda






Poema XX (Pablo Neruda)

Noite estrelada sobre o rio Ródamo, de Van Gogh (1888) Museu Van Gogh 


Poema XX
Pablo Neruda 

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda
in Cem poemas de amor e uma canção desesperada


Este é um dos poemas mais lindos que já li!


6 de novembro de 2011

Solar Desierto - Olavo Bilac - Versión de L. Ramos G.

                             
Solitary House - Mondrian, Piet 1898 - 1900 Aguarela e guache  
Museu Municipal de Haia

SOLAR DESIERTO

Olavo Bilac (Versión de L. Ramos G.)

Vienes buscando amor, triste y cansada,
Amor que el fuego de otro amor procura,
A mis cariños a pedir ventura
Cual si pidieras a un solar posada.

Pobre viajera! – Por La noche obscura
Vas en vano; la puerta está cerrada
Y en torno a aquella casa abandonada
Reina el silencio de una sepultura.

Golpeas. Más nadie acudirá, por cierto,
A tu llamado. Inanimada e fría
Caerá la puerta del solar desierto.

Llegas tarde. Cerrada está la puerta
Y aquella alma que te recibiría
Ya no despertara porque está muerta.



A Música - Charles Baudelaire Em "as Flores do Mal" Tradução de Delfim Guimarães



Lamentos de Orfeu,Óleo sobre madeira,1896 - Alexandre Séon (1855-1917) - Museu de Orsay, Paris


A Música

Charles Baudelaire
Em "as Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães

A música p'ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d'um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D'um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minha alma acalentar.
- Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrivel me exaspera!


Soneto (Maciel Monteiro)

Tamara de Lempic - High Summer, 1928, oil on wood, private collection.



Soneto
Maciel Monteiro

Formosa qual pincel em tela fina
Debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
Formosa qual jamais desabrochara
Em primavera a rosa purpurina;

Formosa qual se a própria mão divina
Lhe alinhara o contorno e a forma rara;
Formosa, qual no céu jamais brilhara
Astro gentil, estrela peregrina;

Formosa, qual se a natureza e a arte
Dando as mãos em seus dons, em seus lavores
Jamais pôde imitar no todo ou parte;

Mulher celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te sem morrer de amores?